Hoje sou um jogador frustrado, mas
feliz, porque se alegra com as jogadas e os gols de craques da vida real e da
vida virtual. Mas sonhei. E em algum lugar da minha imaginação de criança que
ainda vive existe um jogador de futebol.
Atualmente muitas crianças pobres
sonham em tirar seus pais de uma vida difícil através dos milhões do futebol.
Não sabem que eles – os milhões – não são para todos. Mas antes de haver os
milhões, eram só crianças que queriam driblar, que imitavam os urros da torcida
em suas jogadas, marcavam gols e sentiam a glória de ser um bípede que consegue
dominar uma esfera opaca ou colorida em seus pés. Além de termos conquistado o direito natural de nos postarmos eretos, somos capazes de correr e controlar uma bola em nossos pés e fazer com ela uma série de malabarismos: numa visão poética, o futebol é a celebração do ser bípede. Afastado dos milhões se pode ver
a poesia do sonho. Os milhões destroem o sonho e é triste ver que muitas
pessoas se tornaram céticas e perderam sua visão de poesia e beleza por conta dos tais
milhões que, quando vamos ver, chegam a poucos mil e nos contentamos em ter
conseguido os trocados que nos mantêm. Não podemos perder o sonho.
Rubem Alves escreveu em uma de suas belas crônicas que o sonho é o carinho da alma. Concordo integralmente. No sonho somos o que quisermos e enchemos nossos espíritos de gozo. O gozo que não serve
para nada além de alimentar o prazer e a necessidade de sonharmos mais, muito
além do que qualquer trocado. É preciso respeitar o sonho de cada um. Não
respeitar é a mesma coisa que querer impor suas verdades aos outros. Cada um de
nós tem suas verdades, faz suas escolhas e deve aprender a viver com elas. Nada
de apontar o dedo para o outro e dizer com desdém e sarcasmo: “Não passa de um
sonhador”. Acredito que quem age assim nunca teve a chance de sonhar. E no
mundo em que vivemos é muito fácil existir quem não teve o prazer sonhar. Mas, se a
vida não te deu essa oportunidade, se você teve uma infância difícil e hoje
graças a seu esforço conquistou seu lugar no mundo, sonhe. Não em ter uma casa,
um carro ou um emprego. Sonhe em ser o que você não pôde ser quando era criança.
Sonhe em voar, conquistar o espaço, conduzir o E.T. na cestinha da sua bicicleta.
Assim, quando estiver dentro do sonho, você entenderá o sonhador e poderemos
nos unir em nossos sonhos celebrando nossa semelhança na diferença. Sim, porque
o fato de sermos sonhadores não nos fará iguais. Permaneceremos diferentes em tudo, exceto em uma coisa: o respeito à nossa capacidade de sonhar e acariciar nossas
almas.