quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?

          Muitos não sonharam. Eu sonhei. Tinha 12 anos e havia uma novela que tinha como protagonista um jogador de futebol, bonitão, pegador e cujo tema nas cenas de aventura era a música do Indiana Jones. Antes disso, por volta dos 9 anos, a minha brincadeira preferida era jogar bola. E veio a Copa do Mundo de 82, e o Brasil tinha um time de sonho, e eu fiquei fascinado. Quando sozinho, jogava botão no chão do quarto da minha mãe. Tinha quatro times: Palmeiras, Vasco, Fluminense e Atlético Mineiro. Quando não estava sozinho com os meus botões, ficava jogando uma bolinha de tênis na parede e me jogando em cima da cama para agarrá-la como um grande goleiro. Os nomes da época eram Leão, João Leite, Waldir Peres  Narrava jogadas e gols do meu Palmeiras recheado de craques como Maradona, Zico, Sócrates. Na hora do banho, meus amigos imaginários eram os objetos que ganhavam vida: o chuveiro, o rodo, o espelho, os sabonetes, xampus, as cortinas e até os azulejos. Eu era o técnico e eles os jogadores. Passava-lhes instruções, discutia táticas, comentávamos os jogos e comemorávamos as vitórias. Mas eu não era bom com a bola nos pés. Por isso, fui um goleiro razoável e um zagueiro grosso, mas inteligente, que sabia passar a bola e encontrar os companheiros bons de bola em boas posições. Depois veio o handebol e encontrei um esporte em que eu era bom. Acredito que teria sido um bom zagueiro se não tivesse trocado os pés pelas mãos.
            Hoje sou um jogador frustrado, mas feliz, porque se alegra com as jogadas e os gols de craques da vida real e da vida virtual. Mas sonhei. E em algum lugar da minha imaginação de criança que ainda vive existe um jogador de futebol.
            Atualmente muitas crianças pobres sonham em tirar seus pais de uma vida difícil através dos milhões do futebol. Não sabem que eles – os milhões – não são para todos. Mas antes de haver os milhões, eram só crianças que queriam driblar, que imitavam os urros da torcida em suas jogadas, marcavam gols e sentiam a glória de ser um bípede que consegue dominar uma esfera opaca ou colorida em seus pés. Além de termos conquistado o direito natural de nos postarmos eretos, somos capazes de correr e controlar uma bola em nossos pés e fazer com ela uma série de malabarismos: numa visão poética, o futebol é a celebração do ser bípede. Afastado dos milhões se pode ver a poesia do sonho. Os milhões destroem o sonho e é triste ver que muitas pessoas se tornaram céticas e perderam sua visão de poesia e beleza por conta dos tais milhões que, quando vamos ver, chegam a poucos mil e nos contentamos em ter conseguido os trocados que nos mantêm. Não podemos perder o sonho.
            Rubem Alves escreveu em uma de suas belas crônicas que o sonho é o carinho da alma. Concordo integralmente. No sonho somos o que quisermos e enchemos nossos espíritos de gozo. O gozo que não serve para nada além de alimentar o prazer e a necessidade de sonharmos mais, muito além do que qualquer trocado. É preciso respeitar o sonho de cada um. Não respeitar é a mesma coisa que querer impor suas verdades aos outros. Cada um de nós tem suas verdades, faz suas escolhas e deve aprender a viver com elas. Nada de apontar o dedo para o outro e dizer com desdém e sarcasmo: “Não passa de um sonhador”. Acredito que quem age assim nunca teve a chance de sonhar. E no mundo em que vivemos é muito fácil existir quem não teve o prazer sonhar. Mas, se a vida não te deu essa oportunidade, se você teve uma infância difícil e hoje graças a seu esforço conquistou seu lugar no mundo, sonhe. Não em ter uma casa, um carro ou um emprego. Sonhe em ser o que você não pôde ser quando era criança. Sonhe em voar, conquistar o espaço, conduzir o E.T. na cestinha da sua bicicleta. Assim, quando estiver dentro do sonho, você entenderá o sonhador e poderemos nos unir em nossos sonhos celebrando nossa semelhança na diferença. Sim, porque o fato de sermos sonhadores não nos fará iguais. Permaneceremos diferentes em tudo, exceto em uma coisa: o respeito à nossa capacidade de sonhar e acariciar nossas almas.